16/08/2010

Conversando com os pais



Antes que eles cresçam



Por: Afonso Romano de Santana

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de nós como árvores tagarelas e pássaros estabanados, e crescem sem pedir licença. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias, de igual maneira, crescem de repente. Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.
Onde é que andou crescendo aquela “danadinha”, que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços e amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?
A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você agora está ali na porta da discoteca esperando que ela não apenas cresça mas também apareça. Ali estão muitos pais ao volante esperando que saiam esfuziantes sobre patins e cabelos soltos.
Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão nossos filhos que conseguimos gerar apesar dos golpes dos ventos, das colheitas das notícias e das ditaduras das horas. E eles crescem meio amestrados, observando nossos erros.
Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos. Não mais os pegaremos nas portas das discotecas e festas. Passou o tempo do balé, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco detrás e passaram para o volante das próprias vidas.
Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvirmos sua alma respirando conversas confidenciais entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertos daquele quarto cheio de adesivos, pôsteres, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não, não os levamos suficientemente ao parque de diversões, ao shopping, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.
Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo nosso afeto. No princípio, subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscina e amiguinhos. Sim, haviam as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, pedidos de chicletes e sanduíches e cantorias infantis. Depois chegou a idade em que viajar com os primeiros namorados. Os pais ficaram exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, de repente, morriam de saudades daquelas “pestinhas”.
O jeito é esperar. Qualquer dia podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso estocado, não exercidos nos próprios filhos e que não podem morrer conosco. Por isso os avós são tão desmensurados e distribuem tão incontrolável carinho. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.
Por isso é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que eles cresçam.

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