11/09/2011

Sem limites, é cada vez mais comum a dependência do álcool entre os jovens


Em certos grupos de jovens, ser aceito implica cumprir rituais. Um deles é beber. Na cabeça de muitos garotos, fazer uso de álcool significa provar a masculinidade. No processo de construção da identidade juvenil, a bebida é encarada como algo capaz de mudar a imagem de um indivíduo perante os amigos. No entanto, essa percepção de benefício que o álcool traz cai por terra quando os conflitos pessoais decorrentes da embriaguez se tornam mais acentuados. 
Nos últimos anos, as atenções das autoridades se voltaram para o crack. Com o intuito de combater a devastadora droga, o governo local anunciou, na semana passada, o emprego de R$ 65 milhões. O recurso sustentará o plano de enfrentamento ao entorpecente pelo próximo quadriênio. Mas enquanto todos os discursos são para combater o uso da pedra branca, um outro mal, o álcool, avança silenciosamente, atingindo principalmente crianças e adolescentes. A falta de limite dos pais e o fácil acesso, além das tímidas campanhas de prevenção, fazem com que o consumo de cerveja, vinho, uísque e outras bebidas aumente consideravelmente entre os jovens. O Correio flagrou, nos últimos dias, meninos e meninas se embriagando em plena luz do dia no Plano Piloto e em outras regiões.

A mais recente pesquisa sobre o tema, divulgada pela Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead), aponta que pessoas na faixa etária entre 14 e 17 anos são responsáveis por consumir 6% do álcool vendido em todo o território nacional. Um outro estudo, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça, traz uma informação ainda mais assustadora: o primeiro gole ocorre entre os 11 e os 13 anos. O mesmo levantamento mostra que 42% dos estudantes dos ensinos médio e fundamental ingeriram bebida alcoólica nos últimos 12 meses.

O que a pesquisa constatou em todo o país pode ser observado nas ruas do Distrito Federal. Um dos exemplos é um encontro semanal de estudantes na 411 Sul. Regada a vodca e vinho, a reunião costuma atrair dezenas de alunos na quadra próxima a um colégio. Eles mostram que usam artimanhas para conseguir comprar bebidas (leia mais na página 30).

Muitas vezes, os donos de bares são flagrados infringindo a legislação. Levantamento da 1ª Promotoria de Justiça de Infância e Juventude do DF, ao qual o Correio teve acesso, revela que 170 estabelecimentos comerciais em várias cidades foram flagrados vendendo ou entregando bebida alcoólica a menores de 18 anos nos últimos 15 meses. Todos os donos de restaurantes, bares e quiosques acusados de infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (veja O que diz a lei) tiveram de assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público, no qual se comprometeram a não reincidirem na transgressão. Aqueles que descumprirem as regras do TAC estão sujeitos à multa de R$ 3 mil e podem ter o alvará de funcionamento revogado pela Agência de Fiscalização do DF (Agefis).

O MPDFT também decidiu notificar os fabricantes e distribuidores para celebrar Termos de Cooperação, a fim de realizar campanhas de esclarecimento à população sobre os malefícios do álcool para crianças e adolescentes. Um dos responsáveis pelo projeto, o promotor Renato Varalda, considera importante o envolvimento das grandes empresas, mas ressente a falta de uma política pública mais engajada voltada para a população infantojuvenil.

“A legislação é rígida, sim, mas falta consciência para cumpri-la. São raros os inquéritos relacionados à venda de bebida para menores. A lei dá poderes para as polícias Civil e Militar fecharem estabelecimentos caso adolescentes sejam vistos comprando bebida, mas ainda existe a cultura de que o álcool não traz malefícios e que o comerciante que vende bebida para menores não está fazendo nada de errado”, criticou Varalda, promotor da Infância e da Juventude.
Em certos grupos de jovens, ser aceito implica cumprir rituais. Um deles é beber. Na cabeça de muitos garotos, fazer uso de álcool significa provar a masculinidade. No processo de construção da identidade juvenil, a bebida é encarada como algo capaz de mudar a imagem de um indivíduo perante os amigos. No entanto, essa percepção de benefício que o álcool traz cai por terra quando os conflitos pessoais decorrentes da embriaguez se tornam mais acentuados.
Palavra de especialista
“O consumo de álcool entre adolescentes preocupa porque percebemos que as regras feitas para impedir o acesso às bebidas não são respeitadas. As pessoas têm de colocar na cabeça que bebida é uma droga ilícita, sim, para menores de 18 anos. Defendo uma atitude nacional de enfrentamento à venda para crianças e adolescentes e o Estado deveria cumprir o papel que lhe cabe, que é o de fiscalizar. Alguns estudos apontam a facilidade com que os jovens têm de comprar bebida e, mesmo assim, não há um rigor no combate. Se uma atitude enérgica fosse tomada, garanto que 30% dos estabelecimentos comerciais seriam fechados. Mas não há interesse. Para a maior parte da população, álcool é um produto qualquer, como arroz e feijão, e isso é uma temeridade. Os meninos e meninas que bebem contam com a anuência dos pais e esses, por sua vez, terceirizam a responsabilidade à escola, quando, na verdade, a solução seria a associação entre pais, escola e uma forte política de prevenção. O resultado em ignorar essa associação pode ser percebido todos os dias nas ruas: jovens recém-saídos da adolescência dirigem embriagados, atropelam, morrem, matam e a sociedade continua achando que beber precocemente é normal.”

Carlos Salgado, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead)
  Efeitos nocivosOs adolescentes que bebem com frequência podem até não sentir os efeitos imediatos do álcool no organismo, mas o professor de farmácia da Universidade de Brasília (UnB) José Eduardo Pandóssio explica que quem faz uso de bebida precocemente tende a desenvolver sérios problemas que afetam diretamente o aprendizado. Atividades simples do dia a dia, como memorizar um exercício escolar ou falar em público, tornam-se mais difíceis devido à ação degenerativa que ocorre no sistema nervoso do usuário de álcool. “Quanto mais cedo a pessoa começa a beber, os efeitos deletérios afetam mais rapidamente o seu desenvolvimento, fazendo com que ela perca progressivamente mais neurônios”, ressalta Pandóssio.
Segundo o especialista, o consumo abusivo do álcool ainda pode causar problemas hepáticos e renais, além de tornar o adolescente mais violento. “A droga, em si, não produz agressividade, mas, se a pessoa tiver um potencial agressivo, pode externá-lo com a dependência. Se o uso for mais crônico, de o jovem beber toda semana ou todos os dias, ele pode desenvolver problemas hepáticos e renais. Dependendo da idade do indivíduo e do estado geral de saúde dele, o álcool pode ainda comprometer várias enzimas e causar complicações digestivas”, completa.

Correio Braziliense em 11/09/2011

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